segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Entre a fé e o mundo

Depois de um longo verão, eis que volto. As vezes a hibernação é saudável. E o desejo é o de sempre...compartilhar. Senta que lá vem história.

Alguns meses atrás confrontei-me, olhando no espelho eu quis saber: O sábio é aquele que ensina o que sabe? Compreendi que sábio é aquele que ensina o que sabe e vive o que ensina! E partindo desse entendimento, será que estou vivendo o que "ensino"? Estou sendo sábio ou tolo?

Alguns meses passados de uma visita que fiz ao Centro Cultural do BNB, recordo de um livro que la eu li: Caim - de José Saramago. O que posso dizer a respeito do livro. Fiz uma viagem aos primeiros livros da Bíblia do Éden ao dilúvio, imprimindo ao Antigo Testamento a música e o humor refinado que marca a obra, num itinerário heterodoxo, Saramago percorre cidades decadentes e estábulos, palácios de tiranos e campos de batalha, conforme a leitura acompanhamos a uma guerra secular, e de certo modo involuntário, entre criador e criatura. Saramago reinventa o Antigo Testamento.

Por alguns momentos relembrei do deus que a me foi apresentado na minha mocidade. Ao ler o livro ciente de que o Saramago estava reinventando o seu protagonista, com roupagem ao tempo complexa e irônica, cujo tom de farsa da narrativa só faz por acentuar. Munido de ferina veia humorística, Saramago descreve uma estranha guerra entre o homem e o Senhor.

Saramago me levou ao passado, percebi que o deus criado por ele, era o mesmo deus que a mim fora apresentado nos melhores anos de qualquer menina - a sua mocidade. Lendo Saramago, identifiquei o deus carrasco e dominador - se você desviar dos seus caminhos ele te ceifará; o deus egoísta que ficava furioso por saber que além dele, alguém mais ocupava lugar no meu coração; o deus que mim testava ater as últimas conseqüência, só para medir o tamanho da minha fé; o deus que sabia do meu futuro, e mesmo assim me confrontava, permitia situações adversas, contrárias aos seus ensinamentos, desencorajador, e depois me puniria se a sua vontade não fosse soberana em minha vida. Vi e reconheci este deus, tirano, ditador. Quantas vezes eu imaginei Deus, com três coroas, vestes de general e espada desembainhada apontando pra mim!

Confesso que senti um frio na barriga e uma imensa vontade de ter ali os meus mentores de mocidade, os meus mestres, aqueles que eram responsáveis pelo meu crescimento espiritual na minha frente, olharia em seus olhos e diria: Eu os perdoou, por durante quase uma década de minha vida ter sido vivida baseada no medo. Sim, medo!

Durante alguns anos de minha vida servi a um deus tirano e ditador. Tinha medo dos seus castigos e quase sempre não "sabia como me apresentar a Deus." Lembro de uma vez no meio de uma vigília, uma irmã dizer que viu um anjo costurando a abertura da minha saia. Nossa, como aquele serviço do anjo mim custou caro, na época noiva de um cearense cabra macho e cabeça chata, ele me olhava ora com vergonha da "revelação" e com desprezo a minha pessoa. Tive raiva daquele deus, mais uma vez me expunha, me envergonhava, e eu perguntava: o que Deus ganhava?

Os anos passaram e pude pela graça conhecer o verdadeiro Deus. O Deus que é justiça, mais também é puro amor, pois foi capaz de enviar seu único filho, para que numa cruz e por amor salvasse a minha vida e a tantas outras, e que ater hoje encanta, salva, liberta e cura, aleluia!

Mais a menina que serviu ao deus tirano não esqueceu aos mestres, e aos mentores de hoje fica a minha experiência, pois sei que ainda hoje este deus é apresentado a tantas outros nobres irmãos.

O que eles não sabem é que quando se constrói uma fé em um alicerce de medo, não constrói fé, e sim homens e mulheres frágeis e a beira de um deslizamento sem volta.

Assisti o filme O Curioso Caso de Benjamin Button- Eu chorei e vivi. Senti a melodia triste que embalava a tristeza do filme, e as palavras que inventaram poesia num destino contrário ao tempo.

Benjamin não recebe afagos: é inteiramente entregue ao seu caminho torto, obrigado a assumir erro – ou acerto – de tornar-se o que não deveria ser. E persiste em tornar-se. Jovem a cada dia. Diferente e único. Mostrando-se um recém-nascido pleno de sabedoria. Um idoso de contornos delicados, suavemente amando coisinhas pequeninas e desfrutando de um esquecimento sem ressentimentos ou perdas. E sozinho nisso tudo. Também os outros dele se esquecem.

Do velho sábio que já foi. Do pai amigo que se tornou. Do amante, do marido, do namorado, do homem. Sua diferença é notada apenas quando escandaliza. Quando assusta. Depois passa. Tudo passa. Mulher, amada, filho, pai, avô, universidade, e mesmo a última pessoa amada – uma babá.Eu poderia dizer que se trata de uma história sobre solidão. Ou que se trata de um conto sobre a diferença. Sobre o desvanecer da vida no tempo. Sobre o erro do tempo.

Mas penso-o como algo bem mais simples: O Estranho Caso é o caso de um caminho pleno de movimentos e transformações. E esquecimentos. Benjamin mostra que fazer-se é sempre diferenciar-se. Sempre um ato singular e incompreensível. Que se faz intenso no momento do possível. Não é um caso curioso. É o meu caso. O seu caso. O caso de ser sempre diferente entre os iguais. Uma criança outra entre as crianças. Um velho errado entre os velhos. Um marido aflito diante da eternidade de um casamento no qual o amor já não é o mesmo. Um pai que não é o pai que deveria ser, e que se faz a criança que o filho não gostaria de ver. Um filho que sabe mais do que os pais supõem. Um homem que é sempre mais e menos do que a vida exige. Benjamin é além-vida – de para além da vida ele se inventa, corajosamente apostando em seus erros e acertos.

Penso que entre nós, residem muitos Benjamin.

C.S.Lewis deu a razão de sua fé: "Creio em Deus, assim como creio no sol, não somente porque o vejo, mas porque, vendo-o, vejo também com ele todas as outras coisas." Creio em Cristo porque quando o vejo, vejo também todo o restante da realidade.

Sou agora levada ao ano de 2009, em uma pregação do Pastor Ricardo Gondim, cujo tema era -Eu não me envergonho do Evangelho- e dizia que devíamos curar no câncer. Vivemos meio a uma sociedade que proclama que não se deve ter vergonha do evangelho, porém, e ao tempo veste capa de cristão pra sair bem na foto. Levantar bandeira do evangelho da status, experimente. Vivemos no meio de uma sociedade contaminada pelo câncer, e não o trata, pois ser coitadinho da ibope.
E dai? O que aconteceu? Será que perdemos a vergonha, será que iniciamos a cura no câncer?

..."basta olhar a nossa volta e ver que tudo virou utopia..."

A vida, afinal, não se compadece nem afaga. Mas traz a intensidade. Traz a intensidade possível para que nos diferenciemos, pense nisso!

Ahilsa Marques

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